Artigo de Opinião

Eleições — entre o povo, a escolha e a memória e fazer

22.10.202520:56
Foi assim

 

 

A beleza das eleições democráticas é esta: todos podemos ser candidatos, todos podemos escolher, todos podemos ganhar — e todos podemos perder.
É simples, e talvez por isso seja tão difícil de aceitar.
A democracia é o único sistema em que o povo manda, mesmo quando não gostamos do que decide. E o povo, mesmo sem doutoramentos, tem sempre razão — não porque o voto o torne infalível, mas porque exprime um sentimento. Pode ser vontade, esperança ou revolta. Em qualquer caso, é uma verdade emocional e política sobre o estado do país.

Há quem diga que há pessoas que “não sabem votar”. Que não percebem o que está em causa.
Mas se o que se quer é escolher quem governa, todos devem poder apresentar os seus programas e o povo decide — no silêncio sagrado do voto, naquele gesto quase litúrgico de meter o papel na urna.
Antes disso, há debates, há ideias, há confrontos — e cada um tem o seu tempo de palavra. É ali que se mostra a diferença entre prometer e propor.
E raramente alguém diz: “votem no Manel, que ele é melhor do que eu”.

As pessoas sabem escolher. Às vezes demoram quatro anos a perceber que a “nova luz” prometida afinal não acendeu, e então mudam. Outras vezes precisam de décadas para ajustar a bússola. Há também quem mantenha o mesmo rumo, por coerência, por convicção ou por teimosia — e não é por isso que valem menos.

Sim, há quem vote sem conhecer bem o que cada partido defende. Mas isso é um problema de literacia política, não de legitimidade democrática.
E resolve-se com educação, não com desdém.
O voto popular pode não ser sempre sábio, mas é raramente estúpido.
Se ao fim de quatro anos o caminho for mau, muda-se de carruagem. A culpa, quando existe, é de quem não soube comunicar, de quem não conseguiu transformar o futuro numa ideia compreensível do presente.

Alguns perdem sempre. Outros alternam. E há os que, dados por extintos, acabam por vencer — porque o tempo, em democracia, nunca é de morte súbita.
Quem chora não mama, mas quem mama também chora.

Isto não é sobre política — é política.
E não é opinião nem perceção — é constatação.

Na terra onde vivo, houve um “eterno vencedor”. Já não há. Agostinho Ribau Esteves
Muitos achavam-no um ganhador imerecido, mas a verdade é que o povo foi mudando, e com ele mudaram as urnas. Vieram depois dois, anunciados como perdedores certos, e venceram.
As pessoas sabem escolher. Sempre souberam.

E hoje, com o falecimento de Francisco Pinto Balsemão, essa sabedoria popular ganha outro relevo.
Não interessa nada se era bonito e se foi-se estragando com o tempo.
Não interessa se era rico e por isso pôde fazer.
Não interessa se foi boémio porque podia.
Quantos, nas mesmas condições, nada fizeram?

Ele fez.
Fez muito.
Fundou o Expresso, criou a SIC, abriu espaço para a palavra livre, para a opinião sem medo, para o debate em voz alta. Enfrentou a censura quando ainda não havia liberdade e defendeu a liberdade quando a censura já tinha passado.
Teve poder, mas também teve resistência — à mediocridade, à pressa, ao esquecimento.

Francisco Pinto Balsemão não foi um santo nem um mártir, e talvez nem sequer quisesse ser lembrado como exemplo. Mas foi um fazedor — desses que não se limitam a existir, mas constroem.
E a diferença entre existir e construir é o que separa o nome que passa do nome que fica.

O seu desaparecimento lembra-nos que o mérito não está em ter, mas em deixar feito.
E que a democracia vive, sempre, desse sopro de ação — dos que votam e dos que criam; dos que perdem e voltam a tentar; dos que, podendo nada fazer, fazem na mesma.