O que nos mostram as greves dos jovens pelo clima?

26, Fevereiro 2020

A Investigadora do CIDTFF da Universidade de Aveiro, Manuela Gonçalves, aborda a questão das manifestações contra a inação dos governos em relação às alterações climáticas.

Contacto:  https://www.ua.pt/dep/person/10312602

O que nos mostram as greves dos jovens pelo clima?

Olá, chamo-me Manuela Gonçalves, sou socióloga, professora no Departamento de Educação e Psicologia e investigadora no CIDTFF, da Universidade de Aveiro.

Venho falar-vos sobre um tema que tem dominado a atenção dos meios de comunicação social e das redes sociais, desde o ano passado: as manifestações de milhares de jovens em todo o mundo contra a falta de ação dos governos em relação às alterações climáticas.

Embora a participação de jovens em movimentos e transformações sociais seja frequentemente desvalorizada, na verdade não se trata de um fenómeno novo. Recuando ao século XX, basta recordar as manifestações estudantis que corporizaram o movimento de “maio de 68” ou os protestos pró-democracia desencadeados em 1989 por estudantes chineses, violentamente esmagados por centenas de soldados na Praça de Tianammen. Mais recentemente, não podemos ignorar as manifestações de jovens tunisinos, que se estenderam ao Egito, à Líbia, ao Bahrain e outros países do Médio Oriente e que mobilizaram milhares de jovens ativistas durante o ano de 2010, originando a “Primavera Árabe”, entre vários outros movimentos, com diferentes origens, escalas e objetivos.

O que é, então, radicalmente diferente nas manifestações dos jovens a propósito da crise ambiental?

Por um lado, o caráter global destes movimentos. A causa é global e a mobilização é global.  Entre a 1.ª greve global pelo clima, em 15 de março de 2019, e a 4.ª, em 29 de novembro, a participação passou de 1,6 milhões de jovens, em cerca de 100 países, para 2 milhões, em 157 países. Entre uma e outra, é de referir a concretização da semana global pelo clima, entre 20 e 27 de setembro de 2019, com várias iniciativas à escala global, e que culminou com uma manifestação em Nova Iorque, onde se realizou a Cimeira da Ação Climática convocada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.

A última manifestação, de novembro de 2019, não só antecedeu a Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP25), realizada em Madrid, como coincidiu com a Black Friday, dia em que, como é do conhecimento geral, são realizadas promoções no comércio e amplamente criticado pelo consumo excessivo que gera. 

Vale a pena recordar, ainda, que foi também em novembro de 2019 que se assinalaram os 30 anos da Convenção sobre os Direitos das Crianças, adotada pelas Nações Unidas em 1989 e ratificada em Portugal em 1990. Com ela, o reconhecimento dos direitos de participação das crianças, tão evidenciados nestas greves globais: direito à opinião, à liberdade de expressão, à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, à liberdade de associação e reunião.

Esta referência à Convenção leva-nos à outra novidade trazida por estas manifestações. De facto, não estamos apenas perante a participação de jovens adultos, mas também de crianças e jovens manifestantes do ensino básico e secundário, a par do ensino superior. Estas crianças e estes jovens têm conseguido trazer para a discussão pública a urgência de ações políticas que travem a degradação ambiental e mobilizaram o apoio de professores, cientistas, variadíssimas personalidades públicas e inúmeras organizações à escala global.

Nas palavras de Gil Ubaldo, um dos organizadores das manifestações estudantis em Portugal, “O espaço público passou a incluir os estudantes e os jovens que, mesmo não podendo votar, têm muito a dizer”[1].

Naturalmente, não podemos ignorar a grande heterogeneidade, à escala global, que marca estes movimentos, que caracteriza os jovens que se manifestam e a forma como o fazem. Mas não podemos ignorar, também, o que a expansão e vitalidade destas greves pelo clima vieram demonstrar. Desde logo, fica evidente que os jovens se mobilizam por causas políticas, não necessariamente partidárias, o que contraria uma certa imagem veiculada sobre a juventude como sendo politicamente apática e desinteressada. E, não menos importante, destaca-se que esta ação política das crianças e dos jovens se tem vindo a constituir, ela própria, como um dispositivo educativo das pessoas de outras gerações - da minha geração, da sua geração, as pessoas das gerações que pouco ou nada têm feito perante as ameaças ambientais que se abatem sobre nós. 

 

 

Para saber mais sobre…

1) as greves pelo clima:

https://pt.globalclimatestrike.net/

https://fridaysforfuture.org/

2) a Convenção sobre os Direitos da Criança:

https://www.unicef.pt/actualidade/publicacoes/0-a-convencao-sobre-os-direitos-da-crianca/

3) estes movimentos de crianças e jovens na literatura científica:

Holmberg, A., & Alvinius, A. (2020). Children’s protest in relation to the climate emergency: A qualitative study on a new form of resistance promoting political and social change. Childhood, 27(1), 78–92. Disponível em:

https://doi.org/10.1177/0907568219879970

Wahlström, M., Kocyba, P., de Vydt, M., & de Moor, J. (Eds.) (2019). Protest for a future: Composition, mobilization and motives of the participants in Fridays For Future climate protests on 15 March, 2019 in 13 European cities. Project Report. Disponível em: http://eprints.keele.ac.uk/6571/

 

 

 

 

[1] Em entrevista ao Jornal Público, publicada na edição online do dia 23/05/2019 - https://www.publico.pt/2019/05/23/p3/entrevista/espaco-publico-passou-incluir-jovens-nao-votar-dizer-1873748